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O Sindicalismo Europeu: da crise à possível renovação. Uma perspectiva crítica.

  • André Manzaro
  • 18 de set. de 2023
  • 8 min de leitura

O Século XX foi descrito por Eric Hobsbawn como breve, porque de 1914 até o fim da era soviética o mundo teria passado por um processo histórico único, um grande entrelaçado de fatos históricos – porém passível de ser subdividido. Na primeira subdivisão haveria a Era da Catástrofe, que se estendeu de 1914 até 1945, ou seja, do início da Primeira Guerra Mundial até o fim da Segunda Guerra Mundial. Seguiram, então, vinte e cinco ou trinta anos de crescimento econômico e transformação social, período chamado de Era de Ouro. Em seguida, início da década de 1970, surge um período de decomposição, incerteza e crise. Pois bem, este breve Século XX acabaria com a melancolia de um “Fim da História” anunciado por Fukuyama ao som da música “Wind of Change” da banda alemã-ocidental Scorpions e com a imagem do grande triunfo americano, a Queda do Muro de Berlim.


O sindicalismo surge no bojo da civilização Ocidental – isto é, europeia – e é palco das contradições e lutas de classes desta civilização capitalista na economia, liberal na estrutura legal, burguesa na sua classe dominante, cientificista e eurocêntrica, capaz de ditar o mando do mundo impondo, nas palavras de Carl Schimitt, o jus publicum europaeum, uma ordem política jurídica global nos termos europeus e sob seu domínio – muitas vezes colonial. Com o colapso dessa civilização, com a Primeira Guerra Mundial, também há o colapso desse sindicalismo original. Um novo modelo de sindicalismo predominante, estável e perdurável só surge na Europa com o advento da Era de Ouro, isto é, dos escombros da Segunda Guerra Mundial. Este sindicalismo parece ser o indicador inicial para rastrear a historicidade da atual instituição sindical europeia e poder traçar suas mudanças e desafios, pois então, este é o primeiro objeto de estudo deste texto.


O que marca essa Era de Ouro do Século XX para a Europa é a oferta do Plano Marshall como proposta de ressurgimento econômico da sob alicerce estadunidense que, em contrapartida, garantiria um espaço de oposição aos avanços soviéticos. O Plano Marshall visava não somente a garantia de um modelo econômico, o capitalismo frente ao modelo socialista soviético, bem como levaria a uma exportação do American Way of Life aos europeus afim de criar um mercado globalizado e um bastião aliado do “Mundo Livre” que fizesse vitrine para os países do Pacto de Varsóvia.


Para entender as pressões estadunidenses frente aos sindicatos europeus é preciso, antes de tudo, entender as duas grandes federações sindicais dos EUA, o Congress of Industrial Organizations (CIO) e a American Federation of Labor (AFL). O CIO era uma federação sindical de centro, despolitizada, com um programa girando em torno da construção de um consenso nacional – e global – em torno do desenvolvimento das instituições do New Deal de Roosvelt, bem como a expansão e manutenção de mercados internacionais para o desenvolvimento da indústria nacional americana, ou seja, de acordo com o consenso de Bretton Woods. A AFL, por outro lado, tinha um caráter mais à direita e, além de estar de acordo com o posicionamento do CIO, avançava no seu posicionamento internacional com um programa que esperava a construção de um sistema de segurança internacional baseado nas Nações Unidas porém demonstrando total ojeriza a qualquer cooperação com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Para AFL, ao contrário do CIO, governos tirânicos que seriam inimigos da liberdade de pensamento em suas terras ameaçavam o espírito da liberdade em todos os lugares, para o CIO a cooperação era possível e desejável.


A AFL, portanto, se mobilizou já em 1944 para a criação do Free Trade Union Commitee (FTUC), um grupo internacional de sindicatos que financiava com um fundo milionário atividades e lideranças anti-comunistas pelo Globo, em especial na Europa e na América Latina. A AFL, apesar de defender um modelo de “free” trade union, nunca abriu mão do uso do maquinário estatal americano, inclusive pleiteando que o uso do maquinário estatal estadunidense seria essencial para sua estratégia de luta anti-comunista.


Em Londres, entretanto, ocorreu a contragosto da AFL, o Congresso Mundial Sindical chamado pela federação sindical inglesa Trades Union Congress (TUC), que trouxe tanto o CIO americano como os sindicatos soviéticos para a mesa da formação de uma internacional sindical contrária ao FTUC, era o surgimento da World Federation of Trade Unions (WFTU). Houve tentativas da TUC de trazer a AFL para compor este novo organismo internacional, porém, devido a sua estratégia anti-comunista, esta federação estadunidense se recusou a participar e denunciou a presença da “pseudorrepresentação” soviética, bem como a presença do CIO, uma organização que dividiria a classe trabalhadora estadunidense. A AFL se isolou e o prestígio internacional do CIO cresceu.


A WFTU saiu vitoriosa na sua batalha de influência contra a FTUC. Etavam nessa internacional sindical não só os sindicatos da Inglaterra, URRS e o CIO americana, mas também representantes das tradicionais francesa Confédération Générale du Travail (CGT) e italiana Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL). O posicionamento político da WFTU visava aspirações por paz, cooperação e progresso em contraponto a oposição do imperialismo e o medo do renascimento do fascismo.


Apesar dessa divisão do movimento sindical estadunidense, de um lado os abertamente anti-comunistas da AFL e do outro os supostamente mais tolerantes ao comunismo do CIO, mostraram sua verdadeira face já no primeiro conflito entre os blocos Ocidentais e Orientais. Com o estopim da Guerra Civil Grega, a AFL como era de se esperar, apoiou a ajuda financeira e militar dos anti-comunistas gregos e o CIO deixou de lado seu princípio de não intervencionismo e assinou abaixo os mesmos termos que a AFL, o CIO inclusive – e pela primeira vez – vai declarar seu apoio a reconstrução de um movimento sindical “livre” – isto é, anti-comunista - na Grécia. Ambas as federações estadunidenses assessoram o governo e sindicatos gregos, no piscar de olhos o CIO se tornou mais uma peça para a Doutrina Truman. A fim de exemplificação, Clinton Golden, representante prestigioso do CIO, foi conselheiro na matéria laboral em missão em Atenas à serviço do governo proto-fascista grego.


Esse fenômeno foi da Grécia ao resto da Europa. Ou seja, é evidente que o sindicalismo europeu sob vigia e orientação tanto da AFL quanto do CIO, apesar de suas diferenças em grau de anti-comunismo, foi manipulado para ser um instrumento de formação de uma solidariedade – no sentido posto por Durkheim, ou seja, um fator de garantia de coesão social – numa Europa capitalista. O sindicalismo europeu, então, nesses anos de Era de Ouro, era um dos fatores essenciais para a manutenção do capitalismo num momento de seu questionamento e um instrumento do Departamento de Estado estadunidense para o combate às ideologias tidas como “subversivas”.


A grande prova deste rompimento do antigo posicionamento do CIO e da instrumentalização do sindicalismo como mecanismo de solidariedade é o racha na WFTU, com a criação da Internacional Confederation of Free Trade Unions (ICFTU). O racha surge pelos mesmos motivos da não adesão da AFL na organização, a ojeriza a presença de sindicatos soviéticos na organização. Representantes de mais de 53 nações formaram o bloco anti-soviético sindical, a ICFTU, com notáveis exceções do CGT e o CGIL que se mantiveram no WFTU. Já a prova de que essa organização estava sob domínio americano é que ela era dominada tanto pelo CIO quanto pela AFL, é notável que nem mesmo a tradicional TUC conseguia pautar o debate, nem sequer conseguiu escolher a sede da ICFTU, que acabou sendo Bruxelas – interesse americano – e não Londres. Para comparação, a criação ICFTU está para o movimento sindical tal qual a Crise de Suez está para a geopolítica: o fim de qualquer dúvida de que a Europa já estava ultrapassada e que o Século XX seria uma disputa entre URSS e EUA e a Europa Ocidental só tinha uma possibilidade, se alinhar aos EUA ou ser alinhada.


Com o fim da Era de Ouro do Século XX, o início dos anos setenta, a Europa e os EUA passavam por um período de grande eclosão social. Os tencionamentos de classe apareciam agora também por meio de tencionamentos de identidades, eram os ecos da explosão estudantil de Maio de 68 que tumultuaram toda uma geração.


Os gritos de que era “Proibido Proibir” não se limitaram os grupos estudantis de Paris, pelo contrário, reverberaram de diferentes formas. Um exemplo dessa variedade das consequências de 1968, foi a explosão do sindicalismo, como descreve Leôncio Rodrigues na introdução do seu livro “Destino do Sindicalismo”, “A década de 1970, na maioria dos países desenvolvidos, pode ser considerada a dos sonhos dos sindicalistas. (…) Nos anos 70, em praticamente todos os países da

Europa Ocidental e da América do Norte, o movimento sindical expandiu-se em termos de numero de trabalhadores, na capacidade de mobilização, pressão e participação nos vários níveis da economia e do sistema político”. Inclusive, foi nessa década a fundação da CES, a Confederação Europeia de Sindicatos, que fez importantes e combativas campanhas contra a austeridade e a favor do aumento salarial europeu.



Entretanto, apesar da conquista da CES que criaria uma relativa liberdade para o sindicalismo europeu frente ao domínio americano, a década de 1970 foram como a última nota de som de uma longa música. O sindicalismo europeu entraria em crise na década de 1980. Os números de trabalhadores sindicalizados que estagnaram nesta década demonstram esse fato.


A crise do sindicalismo na década de 1980 é fruto de um período de ascensão do neoliberalismo pelo globo. O sindicalismo entre em choque direito com o projeto atomizante individualista neoliberal que já começara a ser implementado na década de 1970. As empresas multinacionais reagiram à queda da sua taxa lucros decorrente da concorrência intercapitalista buscando aplicar políticas públicas e internas que aumentassem os ganhos do capital em detrimento do trabalho, principalmente diante à eventual queda do Muro de Berlim e a não necessidade da solidariedade para manutenção da ordem econômica capitalista europeia.


Assim, portanto, os governos Thatcher, no Reino Unido, Reagan, nos EUA e Helmut Kohl na Alemanha, proporcionarão a essas empresas solo fértil para maior extração da mais-valia e manutenção de suas taxas de lucro. Conforme o artigo “National archives: Margaret Thatcher wanted to crush power of the trade unions” do jornal The Guardian demonstra, os arquivos nacionais revelaram que a Dama de Ferro tinha interesses em acabar com o poder dos sindicatos arquitetando planos que envolviam até mesmo o uso de aparatos de segurança do Estado britânico. O resto das forças neoliberais do globo seguiram seu exemplo.


Entretanto, não bastou somente a força repressiva do Estado aliado às empresas multinacionais, ocorreu também uma mudança interior no capitalismo que levou a desindustrialização dos países europeus para favorecer mercados de serviços, bem como um novo modelo de indústria, já não mais a fordista. Na nova indústria e no setor de serviços o sindicalismo modelado tradicionalmente na perspectiva fordista de fábrica, acharia dificuldades de atuação e haveria de se remodelar.


A perspectiva do sindicalismo europeu, hoje, está parada na década de 1980. A crise se mantêm, as novas perspectivas de sindicalismo cidadão foram incapazes de lidarem com a nova dinâmica ao tentar lutar com o neoliberalismo por meio da recuperação da cidadania e homogenização do sindicato frente a outras organizações da sociedade civil, quase anulando seu caráter corporativo de classe. Entretanto, em setores mais radicalizados do sindicalismo europeu há uma esperança de retomada por meio do sindicalismo classista e combativo politicamente, exemplo disso é a forte atuação sindical frente as ondas de manifestações contra a Reforma da Previdência que vem ocorrendo na França.


Todavia, a verdadeira mudança na perspectiva de um ressurgimento do sindicalismo como mecanismo de solidariedade e contenção de eclosões sociais radicalizantes, tal qual foi na Era de Ouro do Século XX é natimorta. O sindicalismo no Século XXI não pode ter perspectiva de retomada do seu passado porque as condições da Nova Guerra Fria (EUA contra China) não estão se dando no plano sindical, bem como os EUA não aparenta querer construir um novo Plano Marshall, uma vez que não há, por enquanto, uma nova Cortina de Ferro que ameace seu domínio na Europa Ocidental.


SIMON, Silvana Aline Soares. De Bretton Woods Ao Plano Marshall: A Política Externa Norte-Americana Em Relação À Europa (1944-1952).


ROMERO, Frederico. The United States and the European Trade Union Moviment, 1944-1951.


HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991.


RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo.


RAMALHO, José Ricardo. Sindicatos: crise ou declínio no final do século.


FURNO, Juliane. Imperialismo: uma introdução econômica.


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